segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Na USP ou não, Autônomos campeão

Ana Claudia Cichon

O Autônomos F.C. foi campeão da Copa USP neste domingo (29), e Leandro Iamin, jornalista e zagueiro da equipe faz um relato exclusivo para o Chuteiras no Terrão sobre a partida e a emoção de conquistar o campeonato. O jogo foi 1x0 contra o IME. 

Madrugada de sábado pra domingo. Desaba um temporal em São Paulo. Tal qual na madrugada de sete dias antes, véspera da semifinal, jogadores do Auto acordaram com o barulho da chuva e questionaram se o jogo estava em risco. Afinal, trata-se de uma Copa na USP, cujo gramado é cuidado como princesa e interditado ao mínimo acidente. Poucos lembram agora, mas, por tantos adiamentos de variadas ordens, o Auto passou uma semana discutindo internamente e quase saiu do Campeonato. Não podia ser refém da agenda dos outros e da chuva repentina. 

"Fora da minha USP", disse um adversário em certo jogo da campanha autonomista, único time de fora da Universidade a jogar a competição. Um forasteiro, um azarão, um intruso que poucos acreditavam que incomodaria o trabalho das atléticas treinadas e habituadas ao gramado. O Autônomos era um corsário ancorado na CEPEUSP, sujo de terra da várzea mais tosca, pronto para o futebol menos plástico. Um grupo de jogadores que finalmente ouviu o treinador. Que acreditou numa proposta pouco simpática de futebol. Que se respeitou sem reclamar de alteração, de reserva, de improvisos. Um grupo que criou uma casca e se blindou de discussões longínquas. Focou no essencial. Começou bem. Teve pontos usurpados pela organização. Tomou gol impedido e sofreu pênalti inexistente. Não perdeu um só jogo. O corsário rubro-negro letra A amadureceu instantâneo. Tava evidente desde sempre que o time tinha bossa, tinha muque. Ao mesmo tempo, o corsário letra B, se ainda não era o que será, ganhou os contornos necessários, viveu os seus momentos e ganhou um comando, uma linha. "Saiam da minha USP", disse o adversário. 

O IME tinha um goleiro velho conhecido, um meia ex-Auto, e um jogo matemático, metódico, esbarrando no previsível, sem loucura, sem arroubo. Muita posse de bola. Na primeira fase, 1x1. Eis o nosso empate, uma ilha cercada de vitórias por todos os lados. Muito lado esquerdo, um alemão na meia-cancha e um peito frio. O Auto que nunca perdeu uma final esperou. Birner não parou de narrar o jogo e entendê-lo. O que foi Kiko na lateral esquerda? Pescarmona, habitual gigante. Fê, o desequilíbrio, Gabri, o sacrifício, Chulapa, que foi cachorro noutra encarnação, o cérebro de Jamil, o auge de Alex, os 30 primeiros minutos que se foram sem maiores sustos ou chances. Aplicação, apetite, Jay xingando na arquibancada, Piva assistindo em Bristol, e a Lituânia toda junta, e um telão na Lapa paralisa a cidade. O técnico disse: "um gol nós vamos fazer, é certeza. É não tomar". 

Pois bem, tal qual na semi, lá está Lattes, Leandro, tá tudo bem, o Andrews recebe instruções pois entrou fora de posição e o técnico é minucioso. São 30 minutos, passa um filme imaginando uma disputa por pênaltis. Passam cenas de um Auto de faixas, coração, entrega e uma relação com o futebol parecida com a do velho rabugento que vive na garagem mexendo no seu tradicional Dodge. O Auto parece que sua graxa, e não água. 

Do porão da Casa Mafalda que sempre será a casa autônoma veio o grito da torcida no preocupante e turbulento começo da etapa final, e, no limite da concentração e maturidade de um time que cansou de perder por pequenos detalhes, o pior momento passou sem danos. É falta no meio campo. "Xõ bater aí", fala baixo Paulo Junior, despretensioso como um caipira, como quem diz "deixa eu chutar essa pedra na calçada". Ele alcança o segundo pau com seu chute, e são mais 3 toques na bola. Chulapa, Andrews, Andrews. Ela está na rede. Do banco pra capa do jornal. O rei damilonga na semifinal é o homem do gol do título. E não importa que faltem 20 minutos. Vai ter que bater em muita gente, em muita história, pra entrar nesse gol. Cresce a linha de zaga. Pescarmona vai até o limite do limite e sai com cãimbras. Bate no corsário que a gente gosta. Foi um, apenas um, lance que secou a goela. Um contragolpe pela direita, bola cruzada, rasteira, atacante domina e bate à frente da marca de pênalti. Não há campeão sem um goleiro que pega a bola mais importante. Lattes pegou em dois tempos. O Auto afastou todo o mal que se aproximou. 

Gelado por dentro, pelando por fora. O Auto ganhou do seu jeito. Não é um carrossel. Não é artístico. Não privilegia a diversão. Não perde jogos de campeonato em 2013. Faz um coração cinquentenário como o do Matusa chorar como se fosse um menino de 8 anos. Nessa hora, temos todos 8 anos, mesmo. Os 8 anos de vida do Auto, extensão ou metáfora cronológica de nossas próprias experiências de vida. Felizes e orgulhosos do pertencimento, na boa e na má. Extasiados e gargalhantes na hora de levantar o troféu que, nós juramos e não é por Deus, merecemos. Calma, a gente já está saindo da sua USP. Deixa só carregarmos o corsário com uma taça a mais.

Leandro Iamin é jornalista da Central3, e entre outros programas, comanda o Varzeanos, que traz um pouco das histórias do mundo do futebol amador. 

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